sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Época da chuva

Há um mistério arrojado na carona do vento na soleira das portas abertas, em Brasília, quando volta a época da chuva. Cortinas laranjas de nuvens no horizonte, expressionistas, como o fulgor de um tropel de almas cândidas se alastrando rumo ao futuro. Mas não o futuro de Niemeyer e Lúcio Costa. Apenas futuro, fácil, do sorriso maroto dos que transmutam os tormentos da trilha. Os que gostam da seca devem ter perdido ou conquistado algo muito valioso. Eu, de calça jeans, o juízo medíocre, deixo a bochecha formigar à espera da volta dos ventos sul. E devo dizer: sinto falta do meu cabelo grande. Falta da época em que a aventura dos signos era suficiente como agora. “Agora”. Palavra mundana, batida, romantizada. Contudo, ouço um suspiro tétrico do que nunca em mim existiu: a parte viva do agora é quase sempre adiada. Olha aí: me deu vontade de ouvir John Lennon. Deu vontade de afogar-me numa vida irreparavelmente simples, deitar nesses campos verdes ressurgidos na cidade, embalo de índio no perfume das Damas da Noite, sei lá, desengonço de um jovem deslumbrado explorando outras opções de morte. Suspiro meu agora: Ah! A volta da chuva! Miséria dos meses áridos extraditada. Dilata-se a memória amena de uma cigana que me estragou. Brasília para mim um pouco como Recife para Bandeira. Brasília, não-capital, não-federal, não-funcional. Brasília onde é. Brasília-Goiás. Pôr-do-sol. Um lilás malicioso arrepia a virilha. Lúbrica espera de ser tragado pelas nuvens.

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